Nos anos 30, diante de intenso movimento imigratório, surgiu um grave problema na comunidade, que a maioria preferiu ignorar e esconder.
Jovens moças, de famílias muito pobres, principalmente da Polônia, são convencidas por rapazes que visitam suas cidades a virem para o Brasil e a Argentina. Com promessas de casamento (muitas ficavam até noivas), as famílias concordavam que elas viajassem, vislumbrando um futuro melhor não só para elas, mas para todos.
Esse foi um momento vergonhoso da nossa história. O tráfico de escravas brancas se tornou uma rede quase invencível.
Mais uma vez, porém, as senhoras do Froien Farain demonstraram coragem e ousadia, enfrentando este grave desafio. Ao saberem que estava chegando algum navio da Europa, elas se dirigiam ao Cais do Porto para resgatar o maior número de moças do destino cruel que as aguardava. Mas era uma luta desigual: de um lado, cafetões inescrupulosos, que iludiam as jovens desorientadas com falsas promessas; de outro, as senhoras, que lutavam com as armas que tinham: convencimento e carinho.
Felizmente, muitas moças tiveram seu destino revertido. Algumas, com o tempo, casaram-se, trouxeram suas famílias para cá e foram felizes.
Infelizmente, o outro lado, o da prostituição, foi enorme. Esta luta desigual fez muitas vítimas. Tal fato trouxe muita vergonha para a comunidade, que ainda estava se formando. O assunto tornou-se tabu, do qual a maioria não queria nem ouvir falar. Assim, além da realidade terrível em que viviam, essas mulheres sofreram uma discriminação judaica violenta, não tendo a mínima chance de participar da vida comunitária.
Quando os jornais noticiavam as “batidas” que as autoridades policiais realizavam nas casas de prostituição, a comunidade, envergonhada, preferia ignorar (ou fingir que ignorava) o fato, não só por vergonha, mas também por medo.
As “polacas”, porém, queriam manter suas raízes judaicas e, milagrosamente, conseguiam se reunir numa sociedade à parte, tendo sua própria sinagoga e, mais tarde, o seu cemitério.
De todo modo, apesar das dificuldades, as senhoras do Froien Farain obtiveram vitórias significativas, enfrentando com coragem forças poderosas, sem caráter e que só pensavam em enriquecer à custa das suas vítimas.
Com o início da Segunda Guerra, a imigração parou e a rede foi desbaratada. Essa mancha, no entanto, permaneceu por muitos anos no seio da comunidade.
Até poucos anos atrás, o Froien Farain ajudou anonimamente várias dessas mulheres que, ao envelhecerem, ficaram sós e abandonadas. Sempre que nos procuraram, tentamos dar-lhes uma velhice digna, amenizando um pouco o sofrimento pelo qual passaram. Conforme nos relatou a senhora Frida Wolf,
“Naquele tempo, eu fui encarregada de ir à zona de prostituição. Havia uma senhora pequena, baixinha, muito magrinha e bastante idosa; não era mais ativa, naturalmente. Ela vivia junto com uma amiga, bem alta, e com um cachorro boxer que era muito gorducho. Eu tinha a impressão de que ele ganhava mais da comida que a gente trazia do que elas. Eu fiz amizade com ela. Toda sexta-feira ela aparecia na policlínica para falar comigo. Certa vez, ela puxou seu lenço, abriu o nó e me ofereceu algumas moedas, de que ela precisava, certamente, muito mais do que nós. Mas eu tinha que aceitar. “É para vocês continuarem a boa obra.”
Ela foi a última a ser enterrada 'naquele' cemitério. Um dia me telefonaram da policlínica, comunicando um falecimento. A Chevra do comunal não aceitava, não ia pagar. Eu disse a eles: 'quem vai aceitar?', eles sabem que nós não temos onde deixar. Liguei para o comunal, fiz um barulho daqueles, eles aceitaram, mas eu não sei se foram eles que buscaram ou se eles alarmaram a outra Chevra das prostitutas, porque ela foi apanhada. Naquele tempo eu ainda não sabia que as prostitutas tinham Chevra. No fim, ela foi apanhada. Não sei como, mas ela foi. Esta é a minha história. Mas a história da minha amiga, eu gosto de contar, porque mostra como elas, com tudo isso, eram boas. Tinham sinagoga, tinham Chevra, tinham cemitério. O delas foi o primeiro cemitério judaico no Rio de Janeiro.”
Mesmo sem nos determos nestes casos extremos, a situação não era fácil. Era cada vez maior o número de mulheres, senhoras e meninas que procuravam se estabelecer no Brasil, especialmente em sua capital, o Rio de Janeiro. Cabe lembrar que a imigração de judeus ao Brasil permaneceu por algum tempo aberta, enquanto os demais países da América que costumavam receber imigrantes haviam fechado as portas.
Após o desembarque, que era por si só um capítulo importante, tendo em vista as condições desfavoráveis em que algumas delas chegavam, havia ainda toda uma série de questões que deveriam ser resolvidas para que as mulheres pudessem estar definitivamente adaptadas à nova vida e em condições de lutar sozinhas pela sobre-vivência. Neste sentido, a atuação do Froien Farain foi fundamental.
O número dos necessitados era grande e o trabalho beneficente realizado pela Comissão não tardou a tornar-se imprescindível para o ishuv: curar doentes, em suas casas ou em hospitais, cuidar dos recém-nascidos e das grávidas, auxiliar na busca de trabalho, financiar o aprendizado de algum ofício, comprar máquinas de costura etc.
A atividade principal do Froien Farain, portanto, consistia em esperar, orientar e tomar conta das senhoras judias que chegavam nos navios vindos da Europa. Entre outros riscos - o maior deles era o de caírem nas redes do tráfico de escravas brancas -, elas podiam se perder de seus maridos já instalados no Brasil.
Assim, graças à sentinela permanente da Comissão, muitas moças e famílias foram auxiliadas e, pode-se dizer, salvas.
Foi desta forma que o Froien Farain iniciou suas atividades no ishuv do Rio de Janeiro.
Vimos que, em um primeiro momento, o Froien Farain existiu tendo como referência o au-xílio exclusivo às mulheres. Já podemos perceber esta intenção no nome da entidade:
“Froien Farain quer dizer a sociedade das damas. Foi um nome que ocorreu e na hora que tiveram que registrar, traduziram, porque... tenho a impressão de que elas queriam que ficasse provado que era uma sociedade de mulheres”, lembra um testemunho. Esta característica, entretanto, acabava sendo útil a toda a família: “Como elas se sentiam responsáveis pela mulher, acabavam auxiliando a criança”, continua.
Eram várias as necessidades dessas imigrantes. Casa, comida, trabalho, escolas e lugares de permanência para seus familiares. Como, com o passar do tempo, iam surgindo novas demandas, as pioneiras do Froien Farain vão aos poucos diversificando suas atividades para atendê-las:
“Tinha gente aqui... acho que desde o final do século XIX, mil oitocentos e pouco. Eles já tinham negócios, já estavam melhor 'um bocadinho', e seis senhoras daquela época acharam por bem fundar uma instituição que ajudasse as famílias que estavam chegando. Mas, ajudar como? Elas (as famílias) não falavam a língua, quem chegava vinha sem dinheiro; vinham muitos rapazes solteiros, mas vinham famílias também, vinham já com criança pequena. Então, era preciso arranjar casa, era preciso arranjar trabalho, era preciso sustentar nos primeiros tempos com, pelo menos, comida. Então o Froien Farain foi fundado com essa intenção.”
Outra preocupação da Comissão era a legalização da organização e a elaboração de um Estatuto próprio. Realizou-se um trabalho conjunto e intensivo entre a Jewish Association for the Protection of Girls and Women e o Relief. Para esta tarefa, foi nomeada uma comissão especial, composta pelas seguintes sócias: Sima Hoinef, Edi Koifman e Sra. Szapiro. Este ponto deve ser destacado entre as realizações da geração pioneira do Froien Farain, na medida em que o Estatuto (que só precisou ser alterado no ano 2000) visava adaptar a existência da Sociedade às demandas legais existentes.
As Damas Israelitas sempre unidas para resolver os problemas da sociedade vigente